quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Morena.  Mulata. Cor de Jambo. Morena clara. Pele clara, igual do pai. Mas o cabelo puxou da mãe, é ruim. É morena, mas tem os traços finos. Moreninha clara. Morena. Parda. Afro descente.

 E foi assim desde a  pré-escola,  dos familiares mais próximos aos professores,  que eu fui denominada e, por consequência, também me auto-denominava assim: morena clara.

 Hoje, aos 20 anos, me lembro que a primeira vez qual me considerei negra, foi aos 15 anos de idade, em uma prova de vestibulinho qual contabilizavam-se cotas raciais e eu vi aquilo como fator decisivo para minha aprovação. E foi assim, depois de longos e quinze  anos sendo 'morena clara'  que eu por fim me entendi e me compreendi como negra -    e sem o pesar do 'politicamente correto' -  : negra e afro-descendente, muito obrigada. Dá pra crer ? Foram quinze anos inteiros de uma vida vivida sem saber quem e sou e o quão isso importava.

Desde então, foram cinco anos vividos e profundamente  repensados sobre minha pele, minha cor, minha descendência, minha estória e minha história.  Houve um despertar pessoal e politico, por qual eu pude me contemplar como agente efetiva de participação da história  (uma bela e orgulhosa história, diga-se de passagem) de um povo, de uma gente, de uma cultura.

De uma sociedade secular em contraponto com uma sociedade contemporânea, do qual para além de estatisticas do ibge eu finalmente pude participar e me posicionar.

A principio, me questionei sobre o porque era tão ruim assim me definirem como negra e inventarem assim, milhares de outros adjetivos, tentando minimizar  - com alguns tons de pele mais claros - a carga, o peso de ser negra.  E, embora eu me esforçasse não conseguia entender o porque ainda carregávamos  essas algemas entre nós - negros entre negros -como se ainda tivéssemos algo a nos desculpar. Mas desculpas a quem e por quais motivos ?!

Pela nossa cor ? Pelo nosso tom de pele ? Pela textura do nosso cabelo ou o tamanho do nosso nariz ? Nos desculpar por uma história legitima, de humilhação, mas de legitimidade, de honra e de patrimônio histórico.

Desde então, posso enxergar claramente - embora a frase se contradiga - que o preconceito é implícito e isso me entristece e me pede urgência - tanto quanto, ou até mais urgência por qual foram instituídas a leia áurea, lá em 1800 e sinhâ moça. Nos pede atenção, urgência e sensibilidade com uma luta ainda travada. O preconceito exista sim, moça. E faz vitimas, talvez, não fatais e sangrentas e epidêmicas. Mas, por propriedade, faz vitima a menina eu que desde os doze passei horas incontáveis alisando ''meu cabelo ruim''. Não aceitando meu quadril largo, ou meu nariz não tão arrepitado e fininho quanto as capas de revistas femininas, que - diga-se de passagem, é um atentado ao feminismo e a mulher como um todo. Que o precoceito existe, quando ainda precisamos de adjetivos que nos clareiam alguns tons de pele e isso pede urgência. Uma urgência de auto-consciência critica, moral e social só possível através da mobilização de pessoas, como eu e outras tantas mulheres e meninas negras, que não devem tapar os olhos para esses preconceitos implicitos e, infelizmente, naturalizados por uma sociedade ainda distante da evolução da diversidade, da produtividade e do auto-conhecimento.


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